segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Ultra Batalha - Aonde vão parar estes 2?




DONA DE CASA DESESPERADA PERSEGUE HOMEM SUPERMODELO EM BATALHA ESPORTIVA MORTAL

ELA: "ACABO DE CORRER 482 QUILÔMETROS" ELA: "ACABO DE CORRER 482 QUILÔMETROS"
ELE: "OLHA SÓ MINHAS COXAS DEFINIDAS!"

POR FLORENCE WILLIAMS

Não é fácil ser Pam Reed. Quando essa mãe de família magricela de Tucson correu 11 maratonas em seguida sem parar no começo do ano, alguém reparou? Não, todo mundo estava ocupado bajulando seu arqui-rival, o fortão Dean Karnazes, enquanto ele ia todo alegre das sessões de fotos para as sessões de autógrafos. Agora, ela quer revanche
SE VOCÊ TIVESSE VENCIDO duas vezes a prova mais dura dos esportes de resistência e seu principal rival apenas uma, mas a cara bronzeada e o tórax definido dele tivessem aparecido na capa de revistas como Runner's World e Trail Runner; se ele tivesse batido papo não com um, mas dois apresentadores de programa de entrevistas e conseguido uma turnê por 44 cidades para promover seu livro, um contrato de merchandising de uma empresa de cosméticos e um tremendo patrocínio da marca de equipamentos North Face, e você, não; se, na verdade, você tivesse conseguido apenas uns tênis e umas bebidas energéticas de graça, sua atitude poderia ser uma das duas a seguir: você poderia dar de ombros e dizer "é assim que este mundo fútil funciona; ele é um sex symbol, eu não" ou você poderia decidir provar que merece atenção.
Se você fosse Pam Reed, teria escolhido a segunda opção. E essa é a razão porque, logo ao norte de Tucson, no Arizona, num domingo de manhã no fim de março de 2005, essa mulher de 44 anos não conseguia lembrar se estava correndo para o norte ou para o sul, ou o que faria quando chegasse lá. Ela já estava correndo desde a sexta de manhã, sem parar - exceto para urinar, de pé, entre os arbustos ao longo da estrada - totalizando 383 quilômetros até agora, e ainda faltava pelo menos mais uma noite até seu objetivo final de 482 quilômetros. O lance de urinar de pé é uma arte que ela aperfeiçoou ao longo de 15 anos de ultramaratonas, e dá até medo de tão boa que ela é nisso, a ponto de não tirar nenhuma peça de roupa nem respingar as pernas. Ela só não conseguiu ainda urinar correndo, como fazem muitos dos caras.
O percurso de Reed é um trecho de 20 quilômetros de estrada, que ela pretende correr de um lado para o outro até completar 24 voltas, sem pausa para dormir. O terreno é plano e sem graça. "Deus, não acredito quanto isto está demorando", ela diz, mas de um jeito casual, como se estivesse numa fila de banco. Seus braços curvos balançam mecanicamente. Seus pés deslizam sobre o asfalto, pisando sem fazer barulho. Ela parece menor que seus 1,60 metro e sua face parece esticada como a de um pára-quedista em queda livre, uma imagem intensificada por seus cabelos loiros, curtos e espetados.

Os belos olhos azuis de Reed brilham com determinação. Embora não houvesse adversários ao redor para incentivá-la, ela tem um fantasma em mente: Dean Karnazes, 42 anos, um ultramaratonista que no mês anterior havia aparecido todo suado e quase pelado na capa da revista Runner's World. Essa imagem a impulsionou por três noites sem dormir e 45 garrafas de bebida energética sabor baunilha. Além da capa da Runner's World e das mais recentes exibições e aparições na TV, Karnazes havia também lançado uma biografia, Ultramarathon Man: Confessions of an All-Night Runner, que vendeu 50 mil exemplares e chegou a 18ª posição da lista dos mais vendidos do New York Times.

Ele havia interrompido em 2004 a seqüência de duas vitórias de Reed na ultramaratona de Badwater, uma estafante corrida de 220 quilômetros saindo do vale da Morte e terminando no monte Whitney. No ano anterior, Reed o havia derrotado com 25 minutos de vantagem em uma corrida que durou mais de 28 horas, com temperaturas de até 52 ºC. Um ano antes, ela havia derrotado o competidor mais próximo por mais de cinco horas, sendo que a segunda mulher chegou dez horas depois dela.

"Mas o que mais me incomoda é ele ter sido capa da Runner's World. Eles só fizeram uma notinha sobre mim", diz Pam. Seus sentimentos, ela diz, não são pessoais. "Dean é uma cara legal, não tenho inveja dele. Mas as mulheres precisam receber algum reconhecimento.

A corrida me politizou", afirma. Na capa da revista, ao lado das coxas atléticas de Karnazes, havia o texto DEAN KARNAZES QUER CORRER 482 QUILÔMETROS (SEM PARAR).
Então Reed teve uma idéia: ela daria uma rasteira no menino da capa correndo os 482 quilômetros antes dele. Apenas um punhado de ultracorredores correu tanto de uma vez só, e fazer isso sem descansar, esperavam Karnazes e Reed, poderia ser uma coisa inédita. Reed é tão durona como uma tartaruga do deserto. Ela corre 180 quilômetros por semana debaixo do sol do Arizona e não usa protetor solar, pois acredita que ele bloqueia o efeito refrigerador da transpiração. Deu à luz três filhos, Timothy, 20, Andrew, 16, e Jackson, 10; foi madrasta de mais dois, Jonathan, 16, e Greg, 19; foi líder de torcida na escola e correu em trilhas em Negaunee, no Michigan; jogou tênis na Michigan
Tech; sofreu anorexia por 15 anos, incluindo duas hospitalizações; perdeu a maior parte de seus dentes devido a uma predisposição genética; e se tornou um fenômeno da ultracorrida. Desde que começou a competir em triathlons Ironman, quase aos 30 anos de idade, ela participou de mais de 40 corridas com mais de 160 quilômetros e mais de 100 maratonas, incluindo duas "Dupla Boston" - o percurso completo da Maratona de Boston, só que ida e volta. Em 2003, ela quebrou o recorde norte-americano feminino de corridas de 24 horas e, no ano passado, o recorde de 48 horas para mulheres de sua faixa etária. Tudo isso usando dentadura.


DEAN KARNAZES É O TIPO DE SUJEITO que urina correndo. Em junho deste ano, ele chegou em Squaw Valley, na Califórnia, para a Western States Endurance Run, uma corrida de 160 quilômetros, na melhor das formas físicas, acompanhado por sua esposa, Julie; seus filhos Alexandria e Nicholas, de 10 e 7 anos; e um representante da North Face, que patrocina o evento e tem patrocinado ocasionalmente Karnazes desde 1999. A Western States é a ultramaratona mais antiga e mais prestigiada dos Estados Unidos, e Karnazes estava louco para ganhar a fivela comemorativa dos 1.600 quilômetros, dada a quem completa o evento pela décima vez. As pessoas tiravam sua foto e, em certo momento, um cara se aproximou, animado. "Oi, meu nome é Mark, acabei de ler seu livro e ele realmente me inspirou.

"O que mais eu tenho de provar?", pergunta Reed.

"MAS EU QUERIA MESMO CORRER 804 QUILÔMETROS. NÃO É ESQUISITO?", COMPLETA, RINDO

Esta é minha primeira corrida de 160 quilômetros", disse. "Valeu, cara. Boa sorte amanhã", disse Karnazes, por detrás de seu sorriso eletrizante. "Karno" se dá bem com a celebridade, um status que, antes dele, era completamente estranho ao mundo da ultracorrida, em que, para a maioria dos competidores, o único objetivo é o sofrimento zen. Mas Karnazes é um animal mais social. Após se pesar (71 quilos distribuídos por 1,80 metro, com freqüência cardíaca de 40 batidas por minuto), ele caminhou até a sala de concessão para autografar seu livro.
Para surpresa de todos, incluindo do próprio, diz ele, as multidões correram para as sessões de autógrafos, entrando em fila para ouvir as histórias de como ele corre para viver a vida ao máximo e honrar a memória de sua irmã, que morreu em um acidente de carro quando adolescente. O sucesso de mídia de Karnazes é ainda mais surpreendente se considerarmos que ele nem sequer é o melhor ultracorredor do mundo, embora tanto ele como Reed estejam bem próximos do topo. Desde que Karnazes começou a competir em ultras em 1993, ele ganhou apenas um grande título, o Badwater de 2004, onde ele superou Reed. Mas ninguém se compara a Karno quando o assunto é marketing. Um astro do cross country, do vôlei e do surf durante o colegial em San Clemente, na Califórnia, Karnazes estreou nas longas distâncias em 1993, no seu 30º aniversário, quando correu a noite toda para espantar uma crise de meia-idade.
No fim da década de 1990, ele já correu sozinho o revezamento de Calistoga até Santa Cruz, de 320 quilômetros, um feito que realizou outras seis vezes. No ano passado, correu 420 quilômetros, ou seja, dez maratonas seguidas. Mencionamos que ele também complementa o treino com surf, escalada e mountain bike? "Ele é um sonho", diz Katie Ramage, que gerencia a equipe atlética da North Face. "Esperto, motivado e fotogênico. Temos uma categoria chamada 'queridinho da mídia', e ele tem nota máxima nela.""Você o viu? Ele é lindo", resmunga Pam Reed.

Ela também esteve na Western States em junho, mas sem um séqüito. Seu marido, Jim, servia de motorista e entregador de Red Bull e de bebidas repositoras. Como Karnazes, ela quer completar dez Western, e essa seria a número seis. Entretanto, Pam vinha se esforçando demais, primeiro em sua corrida solitária pelo deserto do Arizona, depois correndo a Maratona de Londres e, na manhã seguinte, uma Dupla Boston ("isso foi um erro!", ela admitiu depois) e finalmente correndo 290 quilômetros em uma ultra de 48 horas na França. No dia da corrida, ao chegar no quilômetro 75, Karno jogou gelo sobre sua cabeça e encheu suas garrafas. "Me sinto ótimo", disse. "Adoro ficar olhando o céu."
Então ele pegou um biscoito e saiu correndo atrás do tanzaniano que estava em 11º lugar. Pam Reed, por sua vez, estava sofrendo e se arrastava pelos últimos quilômetros. Seu marido tinha desistido de marcar seu ritmo após 30 quilômetros, deixando que ela navegasse pela floresta por conta própria. "Esta é a pior ultra em que já corri", lamenta, no quilômetro 140. "Tudo dói. Tudo." Karnazes passou pela linha de chegada em 7º lugar, terminando em 18 horas e 14 minutos. Após uma rápida ducha, ele "descascou" suas meias. Nem uma bolha ou unha roxa à vista. "Isso foi divertido!", disse, levantando-se e balançando os braços. Não é à toa que Reed se engasga com seu Powergel.
ENQUANTO KARNAZES FICOU COM SEUS PATROCINADORES, o vencedor da corrida, um sujeito simpático e magrelo de 31 anos chamado Scott Jurek, estava deitado em um saco de dormir, recebendo soro na veia. Jurek é o Lance Armstrong da Western States, tendo vencido a corrida sete vezes seguidas e estabelecido o incrível recorde de 15 horas e 36 minutos em 2004. Após a vitória em 2005, ele deu uma rápida entrevista para um canal local de TV e depois vomitou. Antes de tudo, é preciso entender que a obscuridade de Jurek é normal, parte do código tácito do esporte que advoga a modéstia, a humildade e o sofrimento estóico.

Até recentemente, não havia glória para os ultracorredores, e ainda não há sinais de que a ultracorrida vá se tornar um fenômeno de massa. Embora o triathlon já seja um esporte olímpico, a ultracorrida provavelmente nunca vai ser, já que ninguém quer que a maratona, tão antiga e grega, seja superada. E já que ultramaratonas não são exatamente divertidas de assistir - quem quer ver um bando de gente que corre sem parar ficar correndo mais um pouco sem parar? - quase não há cobertura televisiva ou dinheiro para esse esporte. A principal personalidade da modalidade nos Estados Unidos é Marshal Ulrick, de 54 anos, um veterano de 111 ultras, incluindo 13 Badwaters (dos quais ganhou quatro).
Ulrich tem a reputação de ter tido as melhores alucinações do folclore das ultras - como perseguir uma sereia de biquíni pelo deserto. Ele escalou os Sete Picos e competiu em nove Eco-Challenges, mas não chega nem perto de ter a exposição de Karnazes. Da mesma maneira, poucas pessoas ouviram falar do maior astro vivo das ultracorridas, Yiannis Kouros, um grego que mora na Austrália. Além de quebrar recordes em quase todo evento de que participa, de corridas de 24 horas a competições de 160 quilômetros, ele percorreu 482 quilômetros em 60 horas em 1984, completou 1.609 quilômetros em dez dias em 1988 e ainda compete aos 49 anos.

E ninguém prestou atenção quando John Geesler, um mecânico de 46 anos de Nova York, correu 482 quilômetros em 69 horas em uma trilha, alguns meses antes da longa corrida solitária de Pam Reed. "Logo depois de eu correr os 482 quilômetros, ouvi falar que Dean estava na capa da Runner's World", conta Geesler. "É uma coincidência ele conseguir toda essa publicidade por querer correr essa distância, quando eu acabei de fazer isso. Talvez não conte porque eu tirei uma soneca de uma hora. Por mim, tudo bem." Então, por que correr tanto? Porque outras pessoas não podem e porque há alguma coisa no animal humano - ou pelo menos alguns animais humanos - que anseia correr assim. De acordo com um artigo publicado ano passado no periódico científico Nature, podemos ter evoluído para um patamar mais elevado justamente por causa de nossa predileção por correr.

Nosso bipedismo, transpiração e tendões flexíveis são muito úteis para a caminhada, diz a teoria, e fundamentais para correr longas distâncias. Dois milhões de anos atrás, a resistência pode ter possibilitado a nossos ancestrais perseguirem suas presas até a exaustão. Passamos assim a nos alimentar com mais gordura e proteína e pudemos desenvolver sistemas digestivos menores e cérebros maiores. Correr faz parte de nós. "As pessoas acham que somos malucos, psicóticos e bizarros", admite Jurek, "mas tem um lado espiritual. Você vislumbra do que é feito e entende o significado da vida. É instintivo." Apesar de receber um pequeno salário do seu patrocinador, Jurek não escreveu livro nenhum, nem figurou na caixa de um cereal qualquer. Como muitos corredores, ele considera a rivalidade entre Pam e Dean irritante. "Não acho que essa seja a essência do esporte."
JUREK NÃO É O ÚNICO QUE SE SENTE ASSIM. Estamos falando de um esporte obscuro que está recebendo atenção, mas por uma razão questionável: a vaidade de dois de seus astros. Os corredores fazem piadas dizendo que Dean deixa espelhos nos postos de água no meio do percurso. Quando ele foi descrito num programa televisivo como sendo possivelmente o homem vivo que mais correu, os aficionados caíram matando, citando Kouros e outros. Embora outros corredores certamente tenham corrido mais, ter corrido tanto sem parar o classifica como um "primeiro" e levanta outras questões, como o que constitui "sem parar" e a que velocidade é preciso estar para poder dizer que se está "correndo".

Ainda assim, insiste Karnazes, ser o alvo do desafio de Reed pela supremacia é surreal. "Corremos juntos uma dúzia de vezes e ela ganhou uma", conta. "Fico triste que ela esteja levando esse lance para o lado errado. Não fui o único a derrotá-la." Mas essa competitividade faz sentido: Karno tem o que Reed mais quer: uma vida lucrativa como corredora. A estrada para a iluminação por meio do glicogênio não é barata. Como a maior parte dos ultracorredores, Pam Reed fica no prejuízo. Com inscrições, viagens e equipamentos, ela gastou cerca de 25 mil dólares no ano passado. Uma pequena fração disso foi coberta com os honorários de duas palestras e alguns produtos gratuitos. Embora sua família tenha uma vida confortável, as competições de Reed pesam em suas finanças.
Reed gostaria, sim, de um pouco de validação, mas quer mesmo é uma graninha. Já Karnazes está atrás de recordes. Ano passado, ele atravessou o percurso da Western States durante o inverno, supostamente o primeiro a fazer isso. Em 2003, tentou correr 482 quilômetros sem parar por um curso montanhoso, mas desistiu com 364 quilômetros. Agora ele está pensando em retraçar os passos do lendário mensageiro grego Feidípedes, que levava mensagens de Atenas a Esparta na Batalha de Maratona em 490 a.C.

Para ser bem realista, ele está planejando correr usando armadura completa. Karnazes sabe que alguns colegas tiram sarro dele e responde lembrando que suas corridas levantam milhares de dólares para o combate à leucemia e para a doação de órgãos, além de dar visibilidade ao esporte. "É inveja ou é frescura", diz sobre seus detratores. Para Karno, o verdadeiro problema é a idéia de que o esporte passe por uma reformulação. Muitos corredores querem manter as corridas pequenas e obscuras, o que o deixa p. da vida.
Outros ultracorredores concordam com ele. "Este esporte precisa ser mais popular", opina a californiana Shannon Farar- Griefer, de 44 anos, que em 2001 se tornou a primeira mulher a correr uma Badwater dupla, totalizando 470 quilômetros, com pausa para sonecas. Uma mistura de Goldie Hawn com a maratonista olímpica Paula Radcliffe, Farar-Griefer apareceu em um comercial de shake dietético e está escrevendo suas memórias.

AINDA É CEDO PARA DIZER quantos convertidos Karnazes e Reed trarão para as ultracorridas, já que os novatos precisam treinar pelo menos um ano para a primeira prova. Mas ninguém pode negar que Karnazes está inspirando muitos guerreiros de fim de semana a partir para o próximo nível. Reed também quer espalhar a febre da malhação. "Quero inspirar meninas e mulheres a fazer o que quiserem", diz ela, "e não deixar que categorias como 'mãe' as limitem." Ela finalmente conseguiu um contrato para escrever seu livro contando como foi de anoréxica a corredora de elite.

Independente de dinheiro e fama, Karnazes e Reed são motivados mais por uma necessidade primordial do que qualquer outra coisa. Por anos eles batalharam na obscuridade, correndo simplesmente porque queriam. Karno é um piadista que diz não ter problemas para achar tempo para treino, trabalho e família. Mas num fim de semana típico ele corre a noite toda e banca o pai normal durante o dia. Reed participa de corridas quase todo mês, pois está, pelo que parece, obcecada. Ela não consegue ficar parada: quando está em um aeroporto, corre no estacionamento; se está no carro com a família, ela pula fora quando param para comer e eles a pegam mais na frente na estrada, uma hora depois.
"Não desmereço o que Pam fez", diz Karnazes,

"MAS ME PARECEU MEIO FORÇADO. ACHO QUE O EGO DELA É MAIOR QUE O MEU"

É possível encarar a vontade de Reed de derrotar Karnazes como parte de um ciclo vicioso de desespero. Não importa quantas corridas ganhe, ela provavelmente nunca vai alcançar a estatura midiática dele, e vai forçar seu corpo além dos limites tentando. Ainda não se sabe como as ultracorridas afetam os corpos de pessoas como Karnazes e Reed. Em curto prazo, não é incomum que os corredores tenham convulsões, vômito e desmaios. Alguns sofrem de insuficiência renal aguda causada por necrose tubular (quando subprodutos tóxicos da decomposição muscular se infiltram nos rins) ou hiponatremia (baixa concentração de sódio, que pode levar a morte).
Em uma corrida de 160 quilômetros, os corredores podem perder e consumir até um terço de seu peso em fluidos e danos ao tecido muscular, a ponto de serem necessários meses para se recuperarem. Podem sofrer de síndrome do "intestino escoado", na qual o conteúdo intestinal se infiltra na corrente sangüínea, resultando em sérios problemas digestivos. E podem estar suprimindo seus sistemas imunológicos, envelhecendo prematuramente e reduzindo seu impulso sexual.Na condição de mulher tentando se provar diante dos homens, Reed força os limites ainda mais. Para complicar a situação, há o seu histórico de anorexia. De tempos em tempos, ao longo de 15 anos, desde 1976, Reed tomou laxativos, exceto quando estava grávida. Em 1991, ela finalmente percebeu, durante uma internação hospitalar, como os corpos de outras anoréxicas eram esqueléticos. Então ela substituiu sua compulsão por outra, relativamente mais saudável. E está levando essa nova compulsão tão longe quanto pode.

NO ARIZONA, NUMA HORA INGRATA de uma segunda de manhã, Pam acaba de superar o recorde pessoal de Karnazes, 364 quilômetros. Ele levou cerca de 75 horas, e ela, 67. "Foi bom superar Dean", comemora. "Vai ser muito bom chegar aos 482 quilômetros." Sua mecânica de corrida não parece diferente, mas ela estava progredindo mais devagar, cerca de um quilômetro a cada 10 minutos. Um pouco antes, naquela noite, ela deu uma "apagada" enquanto corria; agora estava ouvindo AC/DC no iPod de seu filho de 16 anos. À 1h57 da tarde, 79 horas e 57 minutos depois de começar, Reed cambaleou através da marca das 486 quilômetros.

Ela abraçou seus filhos e pais, que estavam acampados do lado da estrada em um trailer, cozinhando macarrão e mingau para ela. Alguns repórteres locais apareceram e ela respondeu às perguntas e tirou os tênis. Após 486 quilômetros, ela tinha uma bolha. "Adoro ter feito isso", diz. Karno provavelmente não se sentiu tão bem, embora tenha agido como se mal tivesse notado. Na semana seguinte, ele declarou que havia mudado seu objetivo de 482 para 804 quilômetros, e que tentaria correr isso em um percurso mais plano, possivelmente de San Francisco até Los Angeles. "Nunca vou desconsiderar o que Pam realizou", declarou. "É só que meu coração não está em correr em círculos.
Como em todas as ultras, eu compito contra mim mesmo. E tenho que dizer que acho que o ego dela é maior que o meu", disse. Sendo do tipo que leva desafios a sério, Reed elevou as apostas. Em maio, convidou Karnazes para um mano a mano de 804 quilômetros. "Ganha quem chegar primeiro", disse Reed. Em junho, Karnazes disse que aceitaria, dependendo do percurso. Finalmente, a rivalidade dos dois poderia ser expressa abertamente. Ou não. No início de agosto, Reed estava reconsiderando a idéia e pensando em correr os 804 quilômetros através do Arizona.
Em julho, na Badwater, ela havia tido de se satisfazer com um quinto lugar enquanto Jurek, em sua primeira participação na corrida, devastou a competição. Ela nem teve a oportunidade de confrontar Karno: ele desistiu do evento em favor do campeonato mundial na Áustria, em que chegou em 34º. Agora Reed parece ter se cansado da rivalidade. "O que mais eu preciso provar?", pergunta. "Mas eu adoraria mesmo correr 804 quilômetros. Não é esquisito?", completou, rindo.

fonte: Go Outside

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